Análise do Capítulo 3 da Carta aos Romanos sob o Olhar de Karl Barth
Parte 1
A insuficiência humana em conseguir cumprir toda a exigência da lei para alguns gera angústia, para outros, impotência e outros mais a soberba. A lei aponta para a carne, para a morte e só aparece mediante a transgressão do homem. Ela requer obediência tácita ou explícita e não consegue superar o elemento ético-comportamental do homem, pois ao mostrar o pecado, ela busca atitudes para anulação do mesmo e isto é aceito e incorporado pela própria pessoa mediante atitude externa. Só cabe ao homem o executar da lei, pois esta só pode ser cumprida na carne.
Há aqueles que, no intento de cumprir as vírgulas da lei, vêem em sim mesmos uma superação sobre os indivíduos da comunidade que os cercam. Se estes realmente conseguem tal proeza, “tornam-se” juízes da humanidade, intitulando-se mestres, endeusando a si mesmos, como que a um Não-Deus; considerando-se dignos do verdadeiro Deus e conhecedores da Sua vontade, pois pensam que podem conhecê-Lo por meio do cumprimento da lei.
Todavia, embora a insuficiência do homem o angustie e o torne impotente, ainda que alguns dela tirem proveito para ostentar uma falsa aparência de conhecimento de Deus, Ele, que é conhecedor de todas as coisas, dialoga com esse homem, não por meio da insuficiência (embora ela seja o parâmetro entre Ele e nós), porém por aquilo que está aninhado no recesso mais íntimo do coração humano, isto é, sua motivação; o que vai muito além da aparência externa.
Nisto pode-se ver que não há vantagens humanas que possam justificar qualquer padrão de comportamento humano, pois, por melhor que seja, diante do padrão divino aquele (comportamento) perece, uma vez que a sinceridade humana é manchada pelo pecado. É por isso que a lei não cabe aqui; ela é insuficiente para purificar e justificar a motivação humana e este nem é o seu papel. Qual é o homem que, ao olhar para Deus, vê em si mesmo inteira pureza e inteira fidelidade? Isto denota o quanto à humanidade está distante de Deus.
Paulo, ao iniciar o capítulo 3 do livro de Romanos, ele questiona a vantagem do judeu, que parece não existir mais, pois agora o parâmetro é outro. Não mais a linhagem, a descendência, a circuncisão, a lei que confere ao judeu vantagens diante de Deus; é algo mais do que estas coisas que justifica o homem, que o purifica e o direciona para dentro da vontade de Deus (que é soberana). E também mostra que (ainda que o homem perceba o distanciamento entre ele e Deus ao olhar para si mesmo) Deus não abandona a humanidade, porque Ele é fiel (3.3); Ele julga não para destruir, mas para restaurar; Ele purifica para preencher o vazio do homem, afastando dele toda a aparência, dotando-o de essência daquilo que é real, daquilo que é verdadeiro e traz o real sentido da vida.
Essa possibilidade divina diante da impossibilidade humana (ou insuficiência humana) é o que podemos chamar de verdadeiro sentido da vida, isto é, o reconhecimento do homem quanto à fidelidade de Deus (que não o abandona) e de sua justiça. Quanto mais ambígua e duvidosa for a posição do homem justo (justificado pelo sangue de Cristo), no que tange a sua capacidade de ser algo além do que realmente o é, que busca e espera por Deus, mais clara e necessária ela será como sintoma do que Deus quer e faz na vida dele. E ele não se entregará ou será induzido a se apoiar na posição de superior, de líder, de guia, de mestre, pois saberá que nada é diante do padrão divino que é a sua justiça e dependerá desta e a reconhecerá como elemento da suprema misericórdia de Deus para com ele.
Por isso, “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso…” (Rom 3.4). Não há argumentos humanos que possam argüir ou disputar com Deus. Mas existem pessoas rebeldes, que não reconhecem a grandeza de Deus e não estão dispostas a desfrutar de tão grande amor. Estas tentam discursar seus atos por meio da lógica humana e não por meio do padrão divino. Por saberem que devido a nossa injustiça aflora a justiça de Deus, pecam e justificam os seus atos como uma tentativa de trazer ou manifestar a glória de Deus (Rom 3.5).
Esse modo de pensar e agir também estavam presentes nos eleitos e Paulo condena explicitamente. Tal atitude “impede”, teoricamente, a verdade e a justiça divina de serem aplicadas, pois se Deus aprova um pecado que torna evidente a sua justiça, logo o padrão do pecador será nivelado ao padrão de Deus. Com isso, tal pensamento não se torna passível de correção e o rebelde, o déspota, o egoísta e o altivo serão elevados diante da humanidade, fazendo de Deus um mentiroso. Um segundo problema seria a fuga do homem diante da responsabilidade dele para com Deus, como conseqüência de uma falsa conclusão.
“Walter Nascimento”
Inspirado em: “BARTH, Karl, Carta aos Romanos, 5°ed..Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. Editora Novo Século, 2003″
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