Parte 2
Deus não pode e jamais será nivelado ao pensamento humano. Ele e os homens não são a mesma coisa: nenhum bem ou mal que o homem venha a cometer podem ser justificados, nem serem vistos como pontos a seu favor. Quando a glória de Deus é manifesta por meio ou diante da injustiça humana é para a honra do próprio Deus e não do homem que a tal acontece. Deus mesmo confirma e atesta a sua verdade e se glorifica. É dele que o homem recebe a inspiração, o ideal, a noção de liberdade e justiça.
Aqui vemos que a lógica humana, assim como a lei é insuficiente para justificar o homem e purificá-lo. O máximo que essa lógica consegue expressar é o Não-Deus. O Deus verdadeiro, Santo e justo não é esse mundo; na verdade, Ele é a negação do mundo e da lógica humana. O homem que não consegue enxergar (Rom 3.5-7) ou se considerar como nada diante do padrão de Deus é porque ele perdeu a noção do quão distante está de Deus. O pecado não deixa de ser pecado, nem o mal o mal (Rom 3.8), só porque Deus nos cerca com sua bondade, misericórdia e sua fidelidade.
Nem judeus, nem gregos (gentios ou todo aquele que não é judeu) podem escapar da justiça divina, e de igual modo, ambos não possuem nenhuma vantagem diante do padrão de Deus (3.9-12). Em todo esforça humano há um legado do eu, que mancha sua sinceridade e, quem diz “eu” diz “julgamento”. Não houve profetas, salmistas, filósofos, anciãos da Igreja, reformadores, poetas, artistas, que não tiveram pecados, pois “não há um justo, nem um sequer” (Rom 3.10). Historicamente e psicologicamente o temor de Deus não é perceptível; não há temor de Deus diante da história porque “os seus pés são ligeiros para derramar sangue (Rom 3.15).”
O diferencial está na fé que se curva perante o que jamais haveremos de ser, que se entrega a Deus que é em toda a essência maior do que tudo o que existe! A fé que se humilha e não espera nada em troca (apenas por ter prestado obediência à lei, relação de barganha), que reconhece a sua posição inferior, em oposto até mesmo no mínimo da posição de Deus, isto é, dentro do mínimo de Deus o homem é pó (quanto mais no máximo dEle); da fé que gera dependência e satisfação naquele que é a verdade, que não é mundo nem homem para mentir. A fidelidade de Deus é confirmada nessa fé.
Agora, sabe-se que nem posição social, nem argumentos lógicos (gregos, gentios, daquele não é judeu), nem a lei de Moisés (judeus), nem o homem simples, ou o soberbo podem alcançar, discutir ou argüir a justiça divina. Sabemos que a fidelidade de Deus (que abandona a humanidade) não é justificativa para o pecado e que todos pecaram, pois “não há um justo, nem um sequer;”. No que pode ser, então, expressa a fidelidade de Deus?
Deus não precisa da religião para falar ao homem, pois esta é corruptível, efêmera e passageira; embora Ele tenha falado através da lei, Deus fala onde não há lei, e assim o é porque Ele é livre. Tudo o que é dele permanece; é eterno e imutável. A fidelidade de Deus se encontra no fato de Ele querer dizer a um homem que não quer ouvir, buscar e entender a justiça divina. Diante da ignorância humana, Deus se revela e mostra sua bondade e misericórdia.
Cristo (Rom 3.21-22) é a mais forte expressão do amor de Deus pelo homem. Ele é a Palavra que Deus quer dizer ao homem; ele é a Palavra de Deus. A justiça divina está neste relacionamento do homem para com Deus pela fé em Jesus Cristo; aquela fé que se curva perante o que jamais ele haverá de ser, que se entrega a Deus e que reconhece que só por meio de Jesus é que ele pode conhecer a Deus. Este se dirigi ao homem, seu inimigo por causa do pecado que há nele, como sendo seu amigo e o justifica, ou seja, perdoa seus pecados e o purifica por meio de seu filho Jesus Cristo.
A justiça divina é a redenção de toda a criação, principalmente daquela que reconhece sua situação de pequenez. Por isso não há lógica, nem lei, nem religião, pois todas estas são expressas pelo exterior do homem. Cristo renova o interior do homem, o que vai além do aspecto comportamental. O corruptível, sendo transformado pelo incorruptível, muda todo seu modo de pensar, de agir e de ser num mundo que não é Deus, para glorificá-Lo com atos (que jamais justificarão seu padrão humano) e palavras, e que agora estão debaixo do padrão de Deus, pela fé em Jesus Cristo (que liberta o homem da lei). Jesus é a última, a mais definida expressão (realização) da fidelidade de Deus.
A fé não escolhe nacionalidade, tipo de homem, tipo de culto, momento apropriado, lugar, situação, tamanho; fé é para todos (judeus ou gentios); ela vai além da religião e da moral, da vida que experimentamos e das experiências vividas, da nossa posição social e da posição da sociedade. Fé é um tremendo salto no escuro, no espaço vazio, que, encontra e tenta compreender o amor de Deus (revelado em Cristo Jesus) e chama esse Deus pelo nome, em sua total obscuridade.
Paulo, no versículo 24 de Rom 3, insere a palavra graça (boa e livre vontade de Deus em aceitar ao homem), que faz todo o diferencial. Num contexto onde judeus se acham únicos diante de Deus, devido a sua descendência, circuncisão e conhecimento da lei, a graça de Jesus é para todos: não há posição social (ninguém pode ser salvo pelo que é ou possui), nem judeu nem grego (não há nacionalidade), pois todos estão destituídos da glória de Deus. Nesta graça não há privilégios (ela é injusta – no modo de pensar humano, mas contém todo o padrão de Deus); nela há redenção, restauração e salvação para todos os homens. É sob esta verdade que desaparece toda e qualquer diferença.
É em Jesus Cristo que o homem encontra o único lugar para sua reconciliação com Deus. Uma vez que se tornou consciente da distância que o separa de Deus, a nova vida em Cristo só pode ser absorvida, assimilada e apropriada por meio da fé. Somente pela fé (Rom 3.27) que se volta a Deus; não existem esforços humanos. Agora, poderia o homem apropriar-se da fé, esta não genuína, apenas para justificar-se diante de Deus e não assumir um compromisso direto com Ele? Não, pois isso seria corruptível, como a religião, onde haveria negociação e preferências de Deus para com os homens. A fé só é fé quando destituída de valor próprio: submissa, genuína, humilde e dependente (sabe que o que a detém é insuficiente em si para conseguir alcançar a Deus).
Sendo assim, podemos concluir que Deus só pode ser reconhecível por meio da fé em Jesus Cristo, que liberta da lei, da lógica humana e nos direciona ao eterno. Não pode o pregador converter alguém, mas a graça (que vai além da lei; que privilegia a vida) de Deus, que por meio da sua justiça, nos aceita como somos e não nos abandona por meio da sua fidelidade. Ao fazer isto, o padrão humano cai e dá lugar ao padrão divino.
Onde estiver a fé, aí estará à fidelidade de Deus!
“Walter Nascimento”
Inspirado em: “BARTH, Karl, Carta aos Romanos, 5°ed..Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. Editora Novo Século, 2003″
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